Justino e sua Apologia

Já em desencanto com as filosofias que não lhe proporcionavam o saber tão procurado e se deparando com o corajoso enfrentamento da morte por parte dos cristãos, ao se encontrar com o ancião à beira mar, quando buscava a solidão, já não tinha mais dúvida, queria mesmo é ser um cristão.
Justino Mártir


Nos primeiros séculos os não-cristãos viam o cristianismo como uma seita primitiva, uma ramificação do judaísmo caracterizada por ensinamentos e práticas estranhas. Já no século I durante os reinados dos imperadores Nero e Domiciano, a igreja cristã passou por severas perseguições e teve de se esforçava para sobreviver, para continuar sua tradição e para mostrar ao mundo o amor de Jesus Cristo. No século II, sob o comando de imperadores mais razoáveis como Trajano, Antonino Pio e Marco Aurélio, o cristianismo teve uma nova preocupação: explicar o motivo de sua existência para o mundo de maneira convincente.

Foi nesta época que um jovem filósofo de nome Justino, estudante dos ensinamentos dos estoicos, de Aristóteles e de Pitágoras e, adepto do platonismo, encontrou-se com um cristão já idoso que o envolveu numa discussão sobre problemas filosóficos e então lhe falou sobre Jesus lhe citando diversas profecias judaicas, mostrando que o caminho cristão era realmente verdadeiro e que Jesus Cristo é a verdadeira expressão de Deus. Esse encontro ocasionou grande mudança na vida de Justino. Debruçado sobre aqueles escritos proféticos, lendo os evangelhos e as cartas de Paulo, ele se tornou um cristão dedicado. Assim, nos últimos trinta anos de sua vida, viajou, evangelizou e escreveu. Desempenhou um papel muito importante no desenvolvimento da teologia da igreja, assim como da compreensão que a igreja tinha de si mesma e da imagem que apresentava ao mundo.

Justino se tornou um dos primeiros apologistas cristãos, ou seja, um dos que explicavam a fé como sistema racional. Com escritores que surgiriam mais tarde — como Orígenes e Tertuliano —, ele interpretou o cristianismo em termos que seriam familiares aos gregos e aos romanos instruídos de seus dias.  A vida de Justino apresenta muitos paralelos com a vida do apóstolo Paulo. O apóstolo era um judeu nascido em área gentia (Tarso); Justino era um gentio nascido em área judaica (a antiga Siquém). Eles tinham boa formação e usavam o dom da argumentação para convencer judeus e gentíos da verdade de Cristo. Ambos foram martirizados em Roma em razão de sua fé.

A data de seu nascimento é estimada por volta do ano 100 d.C. Sua conversão ao cristianismo parece ter ocorrido por volta do ano 132. Justino, já em desencanto com as filosofias que não lhe proporcionavam o saber tão procurado e se deparando com o corajoso enfrentamento da morte por parte dos cristãos, ao se encontrar com o ancião à beira mar, quando buscava a solidão, já não tinha mais dúvida, queria mesmo é ser um cristão.

Sua formação intelectual foi das mais aprimoradas. Segundo seu próprio testemunho, percorreu cidades e escolas filosóficas desejoso de conhecer a verdade, de tornar-se sábio. "Ardendo para ouvir o que é próprio e excelente na filosofia", frequentou os estóicos, peripatéticos, pitagóricos e platônicos (ver Diálogo com Trifão. 2,1-6) sem, contudo, encontrar respostas para seus anseios e suas indagações. Finalmente, através do ancião, teve conhecimento da "única filosofia certa e digna", o cristianismo (Diál. 3-8).

A maior obra de Justino, a Apologia, foi endereçada ao imperador Antonino Pio (a palavra grega apologia refere-se à lógica na qual as crenças de uma pessoa são baseadas). Enquanto Justino explicava e defendia sua fé, ele discutia com as autoridades romanas por que considerava errado perseguir os cristãos. De acordo com seu pensamento, as autoridades deveriam unir forças com os cristãos na exposição da falsidade dos sistemas pagãos.

Para Justino, toda verdade era verdade de Deus. Ele afirmava que os grandes filósofos gregos haviam sido inspirados por Deus até certo ponto, mas permaneciam cegos com relação à plenitude da verdade de Cristo. Desse modo, Justino trabalhou livremente com o pensamento grego, explicando Cristo como seu cumprimento. Ele se aproveitou do princípio apresentado pelo apóstolo João, no qual Cristo é o Logos, a Palavra. Deus Pai era santo e separado da humanidade maligna, e Justino concordava com Platão nesse aspecto. Porém, por intermédio de Cristo, seu Logos, Deus pôde alcançar os seres humanos. Como o Logos de Deus, Cristo era parte da essência de Deus, embora separado, do mesmo modo que uma chama se acende a partir de outra (é por isso que o pensamento de Justino foi fundamental no desenvolvimento da consciência da igreja com relação à Trindade e à encarnação).

Contudo, Justino tinha uma linha de pensamento judia que caminhava com suas inclinações gregas. Era fascinado pelas profecias já cumpridas. É possível que isso tenha nascido no encontro com o idoso à beira-mar. Porém, ele percebeu que a profecia hebraica confirmou a identidade singular de Jesus Cristo. Como Paulo, Justino não abandonou os judeus à medida que se aproximava dos gregos. Em Diálogo com Trifão, outra grande obra, ele escreve a um judeu, um conhecido dele, apresentando Cristo como cumprimento da tradição hebraica.

Além de escrever, Justino viajou bastante, sempre argumentando a favor da fé. Ele se encontrou com Trifão em Êfeso. Em Roma, encontrou-se com Marcião, o líder gnóstico. Em outra ocasião, durante uma viagem a Roma, Justino se indispôs com o filósofo Crescendo, o Cínico. Quando Justino retornou a Roma, por volta do ano 165, ele foi acusado perante Júnio Rústico por este mesmo filósofo que o denunciou às autoridades. Justino então foi preso, torturado e decapitado, com outros seis cristãos.

O apologista apegou-se a esta convicção até a morte:"Vocês podem nos matar, mas não podem nos causar dano verdadeiro". E assim, recebeu o nome que o tornaria conhecido por toda a história: Justino Mártir.

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Att: Elisson Freire



Obras consultadas:
1- A. Kenneth Curtis, J. Stephen Lang e Randy Petersen - Os 100 Acontecimentos mais importantes da História do Cristianismo. - São Paulo: Editora Vida, 2003.
2 - Roque Frangiotti - Introdução e Notas Explicativas em I APOLOGIA DE JUSTINO DE ROMA. - Fonte: Padres Apostólicos – São Paulo, 1995. – Coleção Patrística.

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Licenciado e Pós-graduado em História. Bacharelando em Teologia. Cristão de tradição batista e acadêmico em apologética cristã...
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1 comentário

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  1. Ótima história. O cristianismo sempre se baseou em pessoas mesmo, não em instituições.