O Cristianismo Antes da Reforma Protestante - Fortalecimento do Papado - A Era de Hildebrando

Para solucionar os problemas que conturbavam a Igreja, Hildebrando, o Papa Gregório VII, fortalece o papado e idealiza a Igreja Romana como senhora do mundo.


Papa Hildebrando
No artigo anterior (aqui), tratamos sobre a Igreja a partir do século VIII e depois, com a tentativa de reforma pelos partidários do monastério de Cluny, até o inicio do pontificado de Hildebrando que foi o maior de todos os papas medievais antes de Inocêncio III. Hildebrando foi principal construtor do poder papal e seu maior planejador na Idade Média. A política dele era livrar a Igreja do controle externo e acabar com a sujeição da Igreja ao Estado.

Antes de Hildebrando e seu partido reformista cluníata, a Igreja entrou em colapso e seu declínio moral por estar infestada de paganistas, acabou a fazendo perder  autoridade e independência. Isso levou a Igreja a comer nas mãos dos monarcas, que lhe retiraram a autonomia, e dessa vez, sua integridade e veracidade.

Antes, os governos seculares jamais intervinham nas questões da Igreja para influenciar em suas decisões. Mas agora, com a queda moral da Igreja, os monarcas controlavam toda a estrutura da Igreja.

Finalmente, com o mosteiro de Cluny, renasce na Igreja medieval a necessidade de resgatar a espiritualidade e moral dos homens, caso estes desejassem ser da Igreja. Houve o reconhecimento de que toda a Europa tinha se tornado cristã, contudo, apenas nominalmente. De fato, o cristianismo no ocidente por essa época era praticamente uma e mesma coisa que o paganismo, mudando apenas o nome. Os paganistas infestaram a igreja com suas práticas, superstições, vontades e necessidades que corromperam os princípios do evangelho vividos pela igreja primitiva, chegando inclusive a influenciar o clero, que agora, era subordinado aos caprichos seculares dos monarcas.

Estamos no século XI, e o líder do partido reformista, Hildebrando, se torna papa e logo põe em pratica os planos já abordados no artigo anterior (aqui).

A política de Hildebrando se constituía em livrar a Igreja do controle do mundo exterior. Assim como o partido reformista de Cluny, do qual ele se tornou líder sendo a principal mente por trás de 5 pontificados antes dele. Hildebrando livrou a Igreja da escravidão dos governos civis e dos interesses seculares através da mudança do método na escolha dos chefes da Igreja.

Por muitos anos os imperadores decidiram  quem deveria ser papa. Durante o pontificado de Nicolau II (1058-1061), quando Hildebrando estava realmente a frente desses assuntos, tentou o estabelecimento do colégio dos cardeais com poder de escolher os papas. A influência imperial nestes assuntos foi então reduzida a nada. Desse modo o chefe da Igreja ocidental era escolhido  pela própria Igreja, por intermédio dos seus oficiais e não pela interferência de algum monarca poderoso.

Outra coisa feita por Hildebrando foi acabar com a indicação dos bispos feita pelos reis. Essa prática era conhecida como a "Investidura Secular", porque o bispo era investido de certos símbolos do seu oficio pelo governador, que era um leigo. Ora, a Igreja não poderia permitir que os seus mais eminentes oficiais, os homens que dirigiam a sua obra, fossem indicados por autoridades civis dos países nos quais eles iam servir. A Igreja é que os deveria escolher.

Esse era o principio de Hildebrando. A Igreja já não pode ser verdadeira Igreja de Cristo, se os seus líderes não forem escolhidos por ela mesma. Então, prontamente Hildebrando, cortou o mau pela raiz, de imediato ao assumir o pontificado como Gregório VII, arrancou das mãos dos reis, qualquer controle sobre a Igreja, dando início a uma guerra sistemática contra o abuso dos monarcas quanto aos assuntos da Igreja. Foi assim que Hildebrando entrou em conflito com os homens mais poderosos da Europa, tendo como maior oponente do seu pontificado, o poderoso Imperador do Sacro Império Romano-Germânico.

Os dois grandes poderes da Europa, A Igreja e o Império, empenham-se finalmente num conflito inevitável. O imperador Henrique IV, obstinado e tirano, recusou aceitar o pensamento do papa sobre esse assunto da indicação dos bispos, e ofereceu-lhe resistência de vários modos, . Depois de conferências e ameaças, Hildebrando excomungou a Henrique e o declarou deposto do trono. Henrique IV tinha muitos inimigos entre seus súditos, e então algumas partes do seu domínio entraram em revolta.

A excomunhão papal fortaleceu a revolta e o Henrique IV foi posto as mais humilhantes situações impostas pelos nobres da Alemanha. O imperador então, teve que se submeter absolutamente ao papa para que obtivesse, depois de um ano, o livramento da excomunhão que o ameaçava de perder para sempre o trono. A decisão sobre se deveria permanecer ou não no trono, veio ao fim de um ano, através da Dieta Alemã, presidida pelo papa. Enquanto isso, Henrique teve de viver em retiro, sem fazer uso da sua autoridade imperial. Os nobres planejaram, nessa Dieta, escolher um substituto para Henrique, eliminando-o de vez.

A única saída para Henrique foi tentar se livra da excomunhão ao invés de esperar um ano. Se conseguisse a paz com o papa, sua posição, com relação ao trono, se fortificaria. E então, no Castelo de Canossa, na Lombardia, após grande viagem pelos Alpes gelados, em janeiro de 1077, ele encontrou o papa. Hildebrando recusou-se a recebê-lo, e, por três dias, amigos de ambas as partes discutiram sobre os termos da reconciliação. Para desgraça de Henrique, Hildebrando não aceitaria outra coisa exceto a sua abdicação ao trono do Sacro Império.

Não restando outra alternativa, o rei decidiu-se obter o perdão, se sujeitando a uma vergonhosa humilhação. Cedo, numa manhã invernosa, descalço, usando uma grossa camisa de lã, o imperador bateu ao portão do Castelo. Ali permaneceu o dia inteiro, e o seguinte.

No terceiro dia invernal após o poderoso monarca do Santo Império Romano implorar misericórdia, Hildebrando aceitou em discutir as condições do perdão. Retirava a excomunhão se o rei prometesse por a sua coroa nas mãos dos nobres, e se caso quisesse manter a sua coroa, e recuperar o seu trono, então, teria de obedecer ao papa em todas as coisas concernentes a Igreja.

Em Canossa, então, o papa teve a sua vitória sobre o imperador, conseguida graças aos nobres da Alemanha que já insatisfeitos com o monarca, passaram a repudia-lo após ele entrar em conflito com o papa. Mas a vitória do papa não estava tão completa como imaginara. Hildebrando se excedeu. Sua arrogância, crueldade e severidade para com o maior dos poderes seculares da terra, poderes que os homens consideram como autoridades indicadas por Deus, provocou revoltas, indignação, e hostilidade em muitos lugares. Não demorou muito e os sentimentos gerais se voltaram na Alemanha, a favor de Henrique. O monarca reuniu aliados, e agora, sendo excomungado e deposto novamente, passou a zombar dos trovões de Hildebrando, e conduziu um exercito contra a Itália e entrou em Roma. Depois de muitas aflições e dificuldades, o papa Gregório VII, foi expulso de Roma para nunca mais voltar.

Ainda assim, o que ocorreu em Canossa representou uma vitória para Hildebrando e para a Igreja, vitória que foi assegurada 45 anos mais tarde.

Vitor III, Urbano II,  Pascal II e Gelásio II entre 1086 e 1119 continuaram nos seus pontificados, a guerra contra o Imperador. Urbano tornou-se líder do movimento das cruzadas, o que ainda mais aumentou o prestígio do papado perante a cristandade.

Então, em 1122, o papa Calixto II, na Concordata de Worms, consegue o Pactum Calixtinum, chegando a um acordo com o então imperador Henrique V, do que resultou a paz depois de quase meio século de guerra. Agora os bispos seriam eleitos pelo clero, e os papas os investiriam nos seus ofícios espirituais. O imperador investia-os nas suas propriedades, com a autoridade de chefes temporais. Assim, o império exercia poder sobre os que possuíam terras nos seus próprios domínios, e a Igreja poderia escolher livremente seus próprios ministros.

Contudo estes não foram apenas os ideais de Hildebrando. Ele não apenas pretendia tornar a Igreja livre do mundo secular, mas, depois disso, torna-lá senhora do mundo. Para isso, além de acabar com a influência dos monarcas na Igreja, Hildebrando tinha outra ideia para a libertação da Igreja, e como líder do partido de Cluny, ele cria que uma das formas, era a abolição do casamento do clero.

Muitas das posições ocupadas pelo clero estavam ligadas aos seus valiosos territórios. Diversos bispos governavam extensos territórios como nobres ou príncipes. Na mente de Hildebrando, esses bispos sendo casados, poderiam ser levados a favorecer mais as suas famílias do que a Igreja, mais aos interesses de sangue do que da obra de Cristo. É daí que surge o celibato obrigatório, por questões sem qualquer fundamento bíblico e sim por evidentes questões de interesse papal em manter em suas posses toda a riqueza da Igreja que poderia se esvair, caso o clero continuasse se casando.

Além disso, este papa, Gregório VII, estava extremamente convencido de que a vida monástica era a única vida verdadeiramente cristã. Mesmo que ele não tenha sido um monge, ainda assim, foi chefe de um partido reformador composto por monges, e trabalhou para imprimir na vida de todo o clero esses ideais monásticos. Então, o meio mais fácil de conseguir isso, era tornar todo o clero celibatário. Embora não tenha conseguido uma abolição completa do casamento clerical, reduziu o numero de casados e criou um forte sentimento na Igreja contra o matrimônio dos sacerdotes.

Tudo isso eram coisas que Hildebrando julgava como necessário para livrar a Igreja da influência secular. Para atingir seus objetivos ele muito desenvolveu o poder absoluto do papado. Para continuar sua política de reforma na Igreja, era necessário na mente de Hildebrando, como um cluníata, que, o papa fosse realmente chefe supremo da Igreja. A sua ideia era tornar a Igreja uma monarquia absoluta sob a autoridade do bispo de Roma. Todos os demais bispos, todo o clero, todos dos demais monges tinham de sujeitar-se absolutamente ao papado.

Se valendo de três audaciosas declarações anteriores para impor sua supremacia como sucessor de Pedro, e, através da arma da excomunhão, graças ao medo popular medieval, conseguiu relativo exito na sua política. É a partir dele que a vontade do papa passa a ser lei para a Igreja, como nunca antes foi.

Antes, os papas se valiam do Império para se impor, com fraudes aliás. A maior fraude conhecida é a Doação de Constantino a quem o Papa Estevão II se recorreu para frear os avanços de Pepino.

Para entender isso, retornamos ao século VIII quando Estêvão II enfrenta Pepino, rei dos francos. Estêvão procurava ajuda para transformar Roma e as terras vizinhas em território da Igreja, uma vez que nos dois séculos anteriores, a capital da cristandade ocidental havia sido saqueada e dominada por hérulos, godos, bizantinos e lombardos.  Pepino, que havia tomado o trono à força, tentava legitimar seu poder. O documento da “ Doação de Constantino” foi apresentado pessoalmente pelo papa Estêvão II a Pepino e o rei franco aceitou o documento como prova da autoridade dos papas. Na sociedade iletrada da época, registros escritos despertavam respeito, ainda mais se fossem tidos como de autoria dos antigos imperadores romanos, invejados pelos novos monarcas bárbaros.

Após se entender com o papa, Pepino partiu para a Itália, expulsou os lombardos, que dominavam o país na época, e converteu um pedaço da Itália central em território independente para a Igreja. Seu filho, Carlos Magno, estabeleceu um verdadeiro império, que mais tarde sob Oto I e com a coroação da Igreja, se torna o Sacro Império Romano Germânico. Carlos Magno, filho de Pepino, subjuga a Europa ao poder da Igreja, mais tarde seus descendentes subjugam o papado ao império. Gregório VII mais tarde, subjuga a Igreja e toda a Europa, ao poder do papado, assim fazendo da Igreja Romana, a senhora do mundo. 

Essa foi a estupenda ideia de Hildebrando, como solução para sanar os problemas que conturbavam a Igreja, o papa deveria encarnar o supremo governo da Igreja, e como o cabeça da Igreja, ser então o supremo governador do mundo. Tal ideia provou mais tarde, ser um erro colossal. O papado, como ele concebia, seria a destruição da vida nacional, da liberdade e do próprio Cristianismo. 

Sempre houve na Igreja o falso entendimento de que o Reino de Deus pudesse ser fixado como em formas temporais, sociais e políticas. Os judeus esperavam um reino assim, contudo Cristo os decepcionou. O Catolicismo Romano ainda identifica o Reino de Deus, com a sua Igreja visível, sob o domínio do papa. Mas o reino é o governo de Deus no coração e mente dos verdadeiros cristãos. É um reino espiritual cujo governo, o Espírito de Deus dirige pelo poder e influência que exerce em pessoas livres que obedecem por amor ao grande Rei. Suas leis são celestiais e espirituais. É assim que a Igreja de Deus, coluna e sustentáculo da verdade exerce seu domínio neste mundo. É o reino da graça na alma livre do homem salvo por Cristo.

Contudo, para os habitantes da Europa Ocidental na Idade Média, afirmar isto era o mesmo que dizer que a Igreja deveria governar o mundo, pois para eles o Cristianismo e a única igreja em que viam o Cristianismo personificado, eram uma e mesma coisa, pois ambos estavam identificados. Não poderiam pensar num Cristianismo à parte da igreja, isto é, da igreja que conheciam, a Igreja Romana. Hildebrando vivendo toda a sua vida nos limites eclesiásticos romanos dentro das fronteiras de sua igreja, jamais ouvira ou pensara na ideia de um Cristianismo à parte de sua Igreja, e praticamente todo o mundo ocidental pensava da mesma forma. 

Por isso, para um homem da época e da formação de Hildebrando, não havia outro meio mais prático de tornar o Cristianismo supremo no mundo a não ser tornando a Igreja Romana suprema autoridade na terra. Para ele, a supremacia da Igreja significava a supremacia do papado. Porém, sua ideia a respeito da supremacia do papado sobre o mundo, não teve grande realização no seu pontificado, nem mesmo sua praga contra Henrique IV deu certo. Passam-se cerca de 100 anos, e o papado então, foi alcançar em Inocêncio III, toda a personificação dos ideais de Hildebrando.

Destemido, astuto e inflexível, Inocêncio III em 1198 à 1216, alcança em grande medida o poder com que Hildebrando sonhara. Mas isso é assunto para um próximo artigo. 

Paz em Cristo a todos.

Att: Elisson Freire.



Licenciado e Pós-graduado em História. Bacharelando em Teologia. Cristão de tradição batista e acadêmico em apologética cristã...
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