Qual a validade da sucessão apostólica?

Quando surgiu essa conversa de sucessão apostólica, e porque este argumento foi usado?
Sucessão Apostólica


Sobre a validade da sucessão apostólica


Objeção interessante feita por uma católica romana. Ela afirma:
"Porque as igrejas surgidas depois da Reforma Protestante, quebraram a "sucessão apostólica" deixando de lado os sacramentos tradicionais, elas não podem ser consideradas igrejas verdadeiras, mas simples comunidades cristãs".

Portanto, qual a validade da objeção católica romana acima? 

Primeiramente é preciso refletir sobre QUAL SUCESSÃO APOSTÓLICA está a se referir. Roma não é a unica que pode supostamente provar sua possível sucessão remontada aos apóstolos. Por dois motivos.. 

1- Pedro jamais foi bispo de Roma, muito menos fundou Igreja ali, nem mesmo Paulo fundou Igreja em ROMA. A igreja de Roma no inicio era um punhado de igrejas locais espalhadas por casas, celeiros e catacumbas, mais tarde foram organizadas devido as instruções de Paulo, Pedro só aparece supostamente no fim de sua vida e logo foi martirizado. Sendo que não se pode remontar historicamente a fundação da Igreja Romana por qualquer dos apóstolos, logo SUA SUCESSÃO Apostólica é algo que digamos, IMPOSSÍVEL.

2- Por outro lado, sabemos que Pedro e Paulo fundaram a Igreja de ANTIOQUIA, e outas na Ásia, estas hoje são conhecidas como Igrejas Ortodoxas, e também alegam sucessão apostólica. Como de fato elas tem mesmo fundação apostólica, então a sucessão ali se valida.

Em segundo lugar é preciso dizer que SUCESSÃO APOSTÓLICA não é algo que valide uma igreja muito menos suas doutrinas. A primeira vez que algum tipo de sucessão apostólica fora mencionada no sentido de validade episcopal eclesiástica, o foi por Clemente de Roma, no século I. Só que, o que ele diz, conflita diretamente com a Igreja Romana de séculos depois dele, pois ele alega que a validade de sucessão se dá por: homens "aprovados nomeados por outros homens eminentes, com o consentimento de toda a Igreja, e que sejam irrepreensíveis no serviço ao rebanho de Cristo, em um espírito humilde, pacífico e desinteressado"((Primeira Clemente, 44).

Então, vendo essa citação de Clemente, podemos honestamente dizer que todos os bispos romanos foram homens eminentes que ocuparam o episcopado com o consentimento de toda a Igreja e que foram irrepreensíveis no serviço ao rebanho de Cristo com espirito humilde, pacífico e desinteressado? Bom, segundo um dos mais antigos bispos de Roma, esse era o critério que valida uma sucessão apostólica. E por si só, já invalida a suposta sucessão apostólica romana pois de fato em muitas ocasiões o cargo de bispo romano foi disputado por dois ou mais contendentes, sem que claramente um deles represente a suposta "linha de sucessão", houve inclusive bispos de Roma que foram impostos ou apoiados pelo poder imperial. Até mesmo no século XV o concílio de Constança depôs três papas rivais e nomeou um quarto no seu lugar. Isso sem contra as diversas falhas morais e espirituais do papado.

Fato interessante é que na época de Clemente não havia episcopado monárquico, ou papado. Clemente, se refere àqueles que detêm "o episcopado", como "presbíteros" no plural, e antes tinha referido apenas dois escritórios, bispos e diáconos, NADA DE PAPA... vejam em (Primeira Clemente 42).

Agora, o mais interessante, é que historicamente, a primeira vez que A PRETENSÃO DE UMA SUCESSÃO APOSTÓLICA fora usada para se impor de maneira a sustentar doutrinas e proeminência contra outras igrejas, o foi pelos hereges gnósticos no século II. Eles alegaram que os apóstolos tinham transmitido certos ensinamentos secretos para alguns de seus discípulos, e que estes ensinamentos foram passados adiante como uma TRADIÇÃO, tendo assim a autoridade apostólica, mesmo que fosse diferente do que foi proclamado nas outras igrejas (Irineu, 3.2.1 Haer;. Cf. Ptolomeu em Epifânio, Haer. 33.7.9).

Foi daí então que Hegesipus ou Hegésipo, um adversário do gnosticismo, compilou uma lista dos bispos em Roma (Eusébio, HE 4.22.5f.). E então Irineu de Lyon encontrou na ideia da sucessão de bispos, uma maneira de formular uma resposta ortodoxa à alegação gnóstica de uma tradição secreta que remontava aos apóstolos.

Irineu argumentou que, se os apóstolos tinham tido algum segredo para ensinar, eles teriam entregue-os para os homens a quem eles confiaram a liderança das igrejas. Qualquer um poderia ir nessas igrejas fundadas pelos apóstolos, e determinar o que foi ensinado nessas igrejas pela sucessão de professores, desde os dias dos apóstolos. A constância desse ensino foi garantida pela sua natureza pública; qualquer alteração poderia ter sido detectada, uma vez que o ensinamento era aberto. A precisão do ensino em cada igreja foi confirmada por seu acordo com o que foi ensinado em outras igrejas. Uma única e mesma fé tinha sido ensinada em todas as igrejas desde o tempo dos apóstolos. E como exemplo, IRINEU CITA a maior e mais antiga Igreja do OCIDENTE, ROMA que ainda mantinha uma lista evidente de pessoas que sucederam a liderança da igreja ali depois da morte dos apóstolos e de seus discípulos.

Para Irineu a sucessão era coletiva, e não individual. Ele falou sobre a sucessão dos presbíteros (Ad Haeresis. 3.2.2), ou dos presbíteros e bispos (4.26.2), bem como dos bispos (3.3.1). Segundo ele, estar na sucessão não era por si só o suficiente para garantir a doutrina correta ou a validade de uma igreja. Pois de fato ela funcionou negativamente contra os hereges, que se retiraram da igreja. A vida santa e de ensino genuíno também foram exigidos dos líderes verdadeiros (4.26.5).

A sucessão se referia à fé e ao testemunho genuíno da verdade do evangelho e não à transmissão de dons especiais ou de autoridade de um bispo ao outro. Cada líder na igreja recebeu a doutrina apostólica como um depósito a ser transmitido fielmente à igreja. A sucessão apostólica, tal como formulada por Irineu era do ensino em uma igreja feita por um líder, ser a doutrina apostólica e esta transmitida para o próximo líder, e não alguém ser feito bispo ou presbítero por outro já supostamente estabelecido em uma linha de sucessão temporal como mais tarde se tornou.

Outro exemplo é Tertuliano, para ele, as Igrejas mesmo que não fossem fundadas por um apostolo, mas concordavam na mesma fé, eram apostólicas, pois preservavam a doutrina dos apóstolos.

Isso porque a dita "sucessão apostólica" surgiu em uma situação polêmica como um argumento eficaz para a definição da verdadeira tradição católica da igreja, contra os ensinamentos gnósticos. E como tantas vezes acontece com argumentos bem sucedidos, que chegam a ser considerados como um artigo de fé, não apenas uma defesa da verdade, mas tornam-se uma parte da própria verdade.

Outro exemplo é Hipólito, para ele os bispos, eles mesmos eram sucessores dos apóstolos (Haer., Praef.). E quando Eusébio de Cesaréia usou as listas dos bispos que constituem o quadro de sua História da Igreja, ele não contava os apóstolos nas listas episcopais. Cipriano, no entanto, fez uma identificação distinguindo entre episcopado e  apostolado (Ep 64,3;. 66,4;.. Cf. Enviados epp 79 e Sócrates, HE 6,8).

Poderia citar aqui Inácio, Papias, mais ainda Hegesipo, Justino e mostrar que nenhum deles se refere A SUCESSÃO APOSTÓLICA como meio de validar uma igreja como verdadeira, mas sim, tal argumento FOI MUTO USADO para invalidar supostas tradições ditas apostólicas mas sem qualquer base nos escritos apostólicos. Cabe ressaltar que ao longo dos séculos diversas maneiras de se entender a sucessão apostólica e em que ela era usada, surgiram no inicio. Nenhuma delas foi imposta a IGREJA, salvo o único PONTO... A DOUTRINA APOSTÓLICA.

Portanto o que valida uma igreja é a continuidade e preservação da DOUTRINA APOSTÓLICA como descrita no NT, foi a ela que os antigos recorreram contra as heresias e ataques que eram levantados contra a igreja.

Mas como o anacronismo romano é enorme, eles irão argumentar que detêm a sucessão apostólica ininterrupta de bispos que remonta ao primeiro século. Contudo como mencionado acima, esta pretensão é totalmente falsa, para começar porque falta o primeiro elo da cadeia, ou seja PEDRO.

Não há evidência alguma histórica de que a Igreja de Roma tenha sido fundada pessoalmente por Pedro, nem que ele tenha sido o seu primeiro bispo. Portanto, simplesmente por razões históricas bem conhecidas, Roma não pode reivindicar para si uma "sucessão apostólica ininterrupta". E pelo critério de CLEMENTE DE ROMA, nem existe de fato um bispo romano válido.

A única sucessão apostólica válida é a perseverança na doutrina dos Apóstolos tal como ela se expressa no Novo Testamento. Esta é a única prova necessária e suficiente da apostolicidade de uma congregação, tenha sido fundada há vinte séculos ou ontem. E com os acréscimos e distorções que fez à doutrina apostólica, Roma certamente também não cumpre este critério.

Att: Elisson Freire.


Licenciado e Pós-graduado em História. Bacharelando em Teologia. Cristão de tradição batista e acadêmico em apologética cristã...
(Saiba mais)

3 comentários

Para serem publicados, os comentários devem ser revisados ​​pelo administrador.
Confira nossa: Politica de Moderação de Comentários
  1. "Já que seria demasiado longo enumerar os sucessores dos Apóstolos em todas as comunidades, nos ocuparemos somente com uma destas: a maior e a mais antiga, conhecida por todos, fundada e constituída pelos dois gloriosíssimos apóstolos Pedro e Paulo. Mostraremos que a tradição apostólica que ela guarda e a fé que ela comunicou aos homens chegaram até nós através da sucessão regular dos bispos, confundindo assim todos aqueles que querem procurar a verdade onde ela não pode ser encontrada. Com esta comunidade, de fato, dada a sua autoridade superior, é necessário que esteja de acordo toda comunidade, isto é, os fiéis do mundo inteiro; nela sempre foi conservada a tradição dos apóstolos. [...] [Pedro e Paulo] confiaram a Lino o ministério do episcopado. [...] A Lino sucedeu Anacleto. A seguir, Clemente; Clemente vira os apóstolos, conversara com eles e ainda tinha ouvido sua pregação. [...] A Clemente sucedeu Evaristo, e a Evaristo, [sucedeu] Alexandre. Depois, em sexto lugar após os…
    1. Irineu cometeu erros aí. Errou o dizer que a Igreja em Roma é a mais antiga.

      1- A Sé de Antioquia e de Jerusalém detém essa proeminência e não Roma.

      2- A sé de Antioquia foi fundada por Pedro e não Roma, posto que antes de Pedro, Paulo escreve carta a no minimo 6 igrejas em Roma antes mesmo de Pedro ir lá.

      3- A lista que dá Irineu é refutada por fontes católicas. Por exemplo, o "Dicionário Patrístico e de Antigüidades Cristãs", edição conjunta da Vozes e da Paulus, 2002, pág. 1.076, em verbete da lavra de Basilio Studer, do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, de Roma, assim inicia sua referência ao papado:

      I. A comunidade cristã de Roma nos primeiros três séculos. Sobre o período que precede a época constantiniana, são pouco numerosas as informações exatas sobre os bispos de Roma. A documentação que foi recolhida sobretudo por Eusébio de Cesaréia, na Hist. Eccles., é bem escassa e pouco segura. Também os catálogos dos papas, compostos em vista de uma demonstração apologética da sucessão apostólica, são bastante problemáticos. O de Ireneu (Adv. Haer. III, 3,3) merece algum crédito pelos nomes que são repetidos por tradições confiáveis. A lista, porém, não nos permite estabelecer o momento em que a direção colegial da comunidade romana passou para o episcopado monárquico. Ainda mais incerta é a cronologia que Eusébio (+ 339) e, depois dele, o chamado catalogus liberianus (336 ou 354) tentaram fixar, sincronizando cada pontificado com os dados dos governos imperiais. Apesar do caráter fragmentário das informações historicamente comprovadas, pode-se aceitar que quase desde o início o cristianismo se difundiu rapidamente até a capital do império (cf. At. 2,10). A notícia histórica mais antiga sobre a presença cristã em Roma encontra-se na Vida de Cláudio (41-54), escrita por Suetônio no séc. II (Mirbt n. 3; cf. At 18,2). Contudo, não se pode considerar a comunidade romana como fundação nem de Pedro nem de Paulo, como o quer a tradição referida pela primeira vez por Ireneu (Adv. haer. III, 1,1; III, 2,3). Foi antes fundada por judeu-cristãos desconhecidos.

      portanto, o amigo tem mais alguma coisa para refutarmos?
  2. www.apologeticacatolica.com.br/agnusdei/